Procuro teu rosto em vão
no espelho quebrado de minhas lembranças.
Procuro teu cheiro então;
no sorriso de qualquer criança,
com esperança
na solidão que me deixaste de herança.
Procuro o macio dos teus seios,
e me perco.
Me encontro no anseio,
devaneio de me sentir só – pelo meio,
sem o esteio da tua paixão.
Tu nem imaginas o quanto me enches de aflição.
Te busco nas ruas,
nas esquinas,
nos goles etílicos do caminho,
nos bordéis,
nos meus ninhos
e não te encontro nem mesmo nos espinhos,
cravados em meu peito,
pela dor da saudade
que fez casa em nosso leito.
Procuro teu hálito quente,
ardente,
demente,
envolvente,
inconsequente.
Oh! Maldita Deusa da minha fantasia:
Sereia de orgasmo vertiginoso
que zomba da minha agonia,
com ironia,
mãe da hipocrisia,
puta, vaca, vadia,
doce meretriz que me alforria!
Que importa o teu nome?
Se em tua boca o meu “Eu” se consome.
Venha depressa!
Nua e crua.
Mate minha fome.
Procuro o ópio do teu olhar,
nas estrelas do céu ou nas do fundo do mar.
No brilho do sol,
Na benevolência do luar.
Enfim,
Em qualquer lugar,
onde minh’alma possa descansar.
E continuo te procurando assim:
no encalço infinito do teu batom carmim…
no desejo acalentado pelo beijo,
no suor do teu ventre,
para sempre,
eternamente,
em minha mente,
inutilmente, dentro de mim.
Pois já faz tempo,
tanto tempo,
que até “Chronos” se esqueceu:
perdi tudo,
perdi você,
perdi a mim, nesta busca insana e sem fim.
Que colocou entre nós este muro,
duro.
Passo as noites em claro tateando no escuro.
Me amarguro,
no âmago obscuro do meu ser.
Do amanhecer ao anoitecer.
À um só passo do “enlouquecer”…
por isso te procuro, procuro, procuro…
A peculiaridade da história da escrita deste poema
Em algum momento da década de 90 – eu e dois outros amigos, não me lembro o motivo –, começamos a brincar de declamar versos de improviso. Isto aconteceu por algumas vezes durante as madrugadas em que ficávamos conversando até quase o nascer do sol. Rimos muito das ideias esquisitas, da breguice de quase tudo aquilo. Era diversão de jovens boêmios, quase sempre recheada de muita besteira. A brincadeira se estendeu por algum tempo – não me lembro se por algumas semanas ou até mesmo poucos meses, mas se estendeu e, para surpresa de nós três, chegamos até a rabiscar em papel alguns daqueles versos, que nos pareciam “legais” demais para simplesmente serem esquecidos no dia seguinte.
Numa dessas madrugadas, os dois amigos que sempre apareciam para jogar conversa fora não apareceram. Sozinho, em silêncio, escrevi à mão este poema. De uma só vez, com alguma mínima correção – daquelas em que se rasura uma linha e continua na seguinte. Quando terminei, li o que tinha escrito e gostei. Pensei em refiná-lo mais, mas aí perderia a espontaneidade com a qual tinha sido organicamente escrito. Deixei assim mesmo. Levei o papel para casa e o guardei em algum lugar que nunca me lembrei. Mas não precisei. Tinha memorizado o poema naquele mesmo momento em que havia escrito.
Somente anos mais tarde, tive a chance de digitá-lo e salvá-lo em um disquete 3¼. Do disquete, o coloquei online em outro momento e, assim, o mantive até hoje. Se o poema é um mero exercício de criação literária e, no fundo, não reflete qualquer sentimento real daquela época, se transformou, para mim, numa espécie de suave memória afetiva: lembrança de um tempo leve; jovem; despreocupado e alegre.